Privilégios da toga: uma questão de ética

Mídia internacional acorda para os controversos mimos e regalias desfrutados por nossos magistrados

Por William Saliba (*)

O mundo, enfim, começa a enxergar aquilo que os brasileiros já conhecem de cor: o desfile de ética questionável e imoralidade que permeia o sistema jurídico do país. Como se não bastasse a politização das decisões judiciais — escancaradamente itida pelos membros da alta corte brasileira —, agora é a vez da mídia internacional acordar para os controversos mimos e regalias desfrutados por nossos magistrados.



O tradicional jornal suíço NZZ dedicou, nesta quarta-feira (15), um espaço para descrever aquilo que poderia facilmente figurar em um roteiro de ficção satírica: os abusos do sistema judiciário brasileiro. Em tom quase de incredulidade, a publicação destacou os luxos e benesses que tornam o cargo de juiz no Brasil algo digno de um conto de fadas — para eles, é claro.

Entre os exemplos mais pitorescos, o jornal apontou o famoso Fórum Jurídico de Lisboa, carinhosamente apelidado de “Gilmarpalooza”. Esse evento, mais luxuoso do que um casamento de realeza, é palco anual para advogados estrelados, políticos influentes e altos funcionários do governo. O detalhe que salta aos olhos? Os patrocínios generosamente ofertados por empresas que, curiosamente, têm processos correndo nos tribunais. Afinal, nada melhor do que um jantar requintado para garantir a imparcialidade, não é mesmo?

Outro ponto que chamou atenção foi o regime de trabalho dos magistrados brasileiros. Sessenta dias de férias anuais — isso mesmo, dois meses inteiros de descanso! E não para por aí: ainda podem “vender” parte desse período, acumulando um extra em seus contracheques que já ultraam, sem cerimônia, o teto constitucional.

O NZZ não perdeu a oportunidade de provocar: como seria recebida na Suíça a ideia de juízes discutindo questões sérias em um resort caribenho? Certamente, é um conceito que “foge” ao pragmatismo helvético.

A matéria também relembrou a Operação Lava Jato, aquele grande marco na história recente da justiça brasileira, que revelou a complexa relação entre a busca por justiça e a resistência da elite jurídica à transparência e à responsabilização. Segundo o jornal, os avanços iniciais da operação foram seguidos por um “freio” aplicado justamente por aqueles que deveriam zelar pela moralidade.

Com toda essa estrutura de privilégios e eventos glamorosos, é difícil não questionar: onde fica a imparcialidade e a independência de um sistema judicial que convive tão intimamente com o poder econômico? Empresas e escritórios de advocacia que possuem interesses nos tribunais parecem estar mais próximos dos juízes do que os cidadãos comuns estão da justiça.

Ironias à parte, a banda Titãs, em 1987, já cantava: “A gente quer prazer, e prazer é garantido: imoral, ilegal ou engorda.” Pois é, eles apenas não sabiam que estavam prevendo os contornos de uma juristocracia tropical.

(*) William Saliba, diretor do Carta de Notícias, é jornalista profissional há 54 anos detentor de vários prêmios no setor da Comunicação.

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